quinta-feira, março 27, 2008

12

Já não vim cá resmungar, pela quarta vez, por não me teres ligado quando fiz 20 anos.

Tenho-te sentido tão longe avô.
Não estou a conseguir sem ti. Não posso dar-te a mão para ter força. Não estou a conseguir continuar.

Sabes que conheci pessoas más? Pessoas diferentes daquelas que tu me fizeste acreditar que existiam. Pessoas que magoam e que são mesquinhas e egocêntricas e não sabem o que significa amizade ou dar a mão. Secalhar porque não tiveram um avô que lhes explicasse a importância disso.
Eu sei que sempre sonhaste com o dia em que entraria na faculdade.. sempre disseste que devia estar em letras (não sei porque.. as palavras apenas faziam sentido quando estava contigo). Desculpa se te contrariei. Secalhar, num outro sitio, não estava agora a escrever isto, com a cara encharcada em lágrimas.

Desculpa se te desiludi.

Porque não me ensinaste que o mundo cá fora é assim? porque me fizeste acreditar que as pessoas são todas bonitas e crescidas e que têm sempre uma mão esticada para outra pessoa agarrar?
Acho que me estou a tornar igual a elas.

Afinal de contas, descobri que não podemos dar tudo o que temos cá dentro. As pessoas más simplesmente não o respeitam ou sabem cuidar. São (quase) todos um mundo de aparências - e nunca me foi tão difícil descodificar sorrisos. São perfeitos demais nesse jogo de esconde e revela que não chego a perceber.
Afinal, as pessoas más excedem ou escasseiam as palavras. Palavras que sempre me ensinaste que são bonitas, que tudo na vida são palavras. Estas pessoas, são estranhos que silenciam os gritos e que prendem os gestos. A entrega prima pela escassez.. E nunca me explicaste que estas coisas podiam acontecer.

Agora já não sei quem sou. Acho que também me estou a tornar numa pessoa má.
Pela primeira vez, aqui, faltam-me as palavras. Tu nunca permitiste que isso acontecesse.
As palavras estão a ficar todas cá dentro. As boas e as más. E não sei como lidar com isto.
Já não sei dizer um "sim quero", um "gosto de ti", um "e eu de ti". Raramente sei admitir que tenho saudades ou que quero ficar num momento para sempre. Não sei responder a perguntas difíceis (mesmo que as ache fáceis ou saiba de cor as respostas) e quando isso acontece só sei chorar. E dói que ninguém saiba ler as lágrimas como tu o fazias. Ler as respostas que as palavras já não conseguem exprimir. Quero dizer tanto e fazer mais ainda. E só sei chorar. E ainda me culpam por isso.

Estou a tornar-me no quê avô?
Não quero perder as palavras. São a única coisa que liga a ti. As palavras que me deste e que guardo com a minha vida. Se perco as palavras, perco-te a ti. Se te perco, morro.
Este vaivém de palavras que o coração sabe e a boca cala, está a levar-te. Quero dizer tanto.
Mais do que o teu silêncio, dói o silêncio em que o mundo que não quero viver me está a deixar.
Não permitas que me levem as nossas palavras. Não permitas que ponha etiquetas nos pensamentos e que guarde tudo numa gaveta empoeirada na minha cabeça.
Estou a tornar-me num silêncio que é uma espécie de fuga. Fugir das coisas más, faz-me temer as coisas boas percebes? E minto quando digo que não disse nada, porque não haver nada p'ra dizer.

Levem-me tudo. Mas não as palavras.


.. se isso acontecer, oxalá morta te encontre e me dês a mão como mais ninguém o fez desde que me deixaste.

Estou a sentir-te tão longe avô.




Estavas tão certo quando dizias "a minha poetiza vê coisas onde os outros não vêem".
Achas que sou uma pessoa má avô?
Saudades e medo que te (nos) levem para sempre.