sexta-feira, março 24, 2006

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Num dia telefonei e disse-te vai tudo correr bem avô – claro meu amor – porque tive medo que o amanha não chegasse.. mas chegou, como sempre chegou avô.. havia sempre amanha.. e porque pensei que voltava a haver outro dia, não voltei a telefonar.. e não te disse nada.
E arrependo-me todos os dias, por te teres ido embora - por te ter deixado ir - e não te ter dito o quanto te amo, o quanto és importante para mim, as saudades que tenho tuas e que prometo que vou ser como sempre quiseste que eu, a mana e os primos fossemos.. porque tu soubeste ser o melhor.. queria dizer-te que vais ter sempre orgulho em mim, porque deste-me as tuas palavras, e são as tuas palavras que eu oiço cada vez que o relógio anda..
Só queria que soubesses tudo.. mas não te telefonei.. não quis acreditar que um dia o amanha não iria nascer.. e não nasceu.. tu é que me mataste.. mataste-me naquele sábado que eu tanto odeio.. e o teu número de telefone já não me sai da cabeça..
Gostas das rosas brancas avô? Cada uma, leva uma palavra que te quis dizer.. e até que morra, sempre te levarei rosas brancas.. e se um dia conseguir, prometo-te que levarei um poema – agora que já não sei escrever versos..
Espero que as rosas brancas te toquem e te apercebas das saudades, da falta que me fazes e da culpa que sinto por não te ter telefonado naquele sábado e te ter dito tudo.. odeio uma a uma as palavras que não te disse.

O avô morreu – foi assim que pai disse

Fiz anos e não me telefonaste.. foi o segundo ano que não ouvi parabéns princesa. As lágrimas continuam a cair..
Desculpa o meu silêncio.. a tua sempre poetisa
"O avô morreu"

10 Comments:

Blogger pecado original said...

Podes não escrever poemas mas escreves muito bem para uma só alma.
Estou com um sorriso e uma lagrima no canto do olho. Fantastico o que escreveste ao teu avô. As saudades, as rosas brancas... a eterna poetiza.

Foi um prazer, Beijinho

11:29 da tarde  
Blogger Luís Filipe C.T.Coutinho said...

Deixo-te o texto que escrevi anos depois do meu avô morrer. Foi a despedida que nunca houve entre nós:

O que sentimos como realmente nosso?O nosso nome? A comida do prato? A roupa que vestimos?Um carro? Uma casa?
Não será tudo isso apenas posse efémera consoante a importância que lhe atribuímos, que nos atribuí enquanto possuidores? Podemos possuir alguém? Podemos possuir as suas memórias, lembranças e sentimentos? Não sei, apenas sei que posso abraçar alguém que gosto se esse alguém fizer parte das minhas memórias.
Fui ver-te a casa, não estavas só mas tudo estava em silêncio, , a multidão estava muda para sempre, e tu no meio de todos eles igualmente mudo e frio. A tua foto. Um sorriso perdido algures num dia que veio muito antes de ontem, um olhar esquecido entre tantos outros olhares igualmente esquecidos, igualmente mudos, igualmente frios. O vaso de flores artificiais sobre o mármore da tua lápide, cheia de folhas secas das árvores despidas que rodeiam a tua casa. Coloco o vaso direito, dou um jeito nas flores de plástico, foi a tia que as comprou no aniversário da tua morte, disse que eram muito mais práticas e sujavam menos, além disso duravam mais. Duravam mais, duravam o quanto podiam, submetidas ao sol;vento;chuva e tudo o mais, resistiam o quanto pudessem tal como tu resististe enquanto pudestes, enquanto quisestes...Quanto tempo passou? 12 anos? Não esqueço...
Quarta-Feira à tarde. Toque de saída; hora de almoço; fim de aulas; alguém; algumas palavras; o meu nome; o teu nome.... "(...) morreu(...).
Algo me perturba nesta tua casa, não me perturba o silêncio, não me perturba o cheiro das flores das outra campas a apodrecer, perturbam-me sim os olhares vazios das fotos, imersos em esquecimento e quietude, numa decomposição progressiva de matéria.
Casa; avó; mãe; ar pesado. Custa-me respirar, o carro do meu pai está à porta, não tinha ido ele trabalhar de madrugada?
- O que aconteceu ao avô?-um abraço, lágrimas-iamos vê-lo hoje ao hospital...
Sinto frio. A tua campa está fria, tu já não és. Como será a morte? Fria?
Nunca foste de muitas palavras,nem de muitos gestos de afecto. Tinhas uma forma peculiar de ser, imerso em ti mesmo, na tua rotina de tascas e amigos de copos, porém sempre foste a chave mestra da família.
O Natal. A mesa corrida, cheia de coisas boas. O cheiro dos assados; os pequenos petiscos; as filhozes; o manjar o arroz doçe; os meus tios; os meus primos; os meus pais, sorrisos pela noite fora, momentos felizes em calor das braseiras debaixo da mesa. Tudo me parece longe, tudo ficou longe, tudo se desvaneceu, quando te foste embora.
Quero lembrar-me , quero esquecer-me, esquecer-me da última vez que te vi, num quarto de paredes nuas, esquecido no meio de outros tantos, entre garrafas de oxigénio e balões de soro. O teu olhar pesado, como censurando os nossos olhares de preocupação. Estavas agressivo, como se os teus olhos nos falassem dizendo:
- Não tenham pena de mim porra!- não chegámos a despedir-nos.
As gasosas, e as mãos que me enchias de amendoins ; a tua Vespa e nós dois à cata de figos em figueiras alheias, o teu canivete suíço que ainda hoje guardo na gaveta do meu quarto.
É estranho, lembrar-me de ti, e sentir como se estivesses aqui a meu lado enquanto escrevo, como se me tocasses no ombro e me fizesses recordar mais qualquer do nosso tempo juntos, como se ainda andasses por aqui com a tua boina e o teu passo mudo, que ninguém adivinhava.
Nunca falámos muito pois não? Eu era muito pequeno, tu falavas pouco, fazias das palavras tesouros preciosos que mal gastavas. Nunca dissémos o que pensávamos um ao outro, o que queriamos um do outro.
Chove agora, a tua campa fria em mármore branco lavada a gotas de água , lágrimas de um céu fechado, como foi sempre o eu silêncio. Sorrio enquanto tento encontrar os teus olhos vivos, que diziam as palavras que teimavas em esconder, que talvez fosse tua vontade dizê-las mas nunca soubeste como. Teimam os meus olhos em humedecer-se, foge-me uma lágrima mais teimosa que eu, não queria que me visses chorar...não queria chorar agora, não enquanto falo de ti, não enquanto me lembro de ti, não quero chorar-te.
Vejo o meu pai, os meus tios, a minha avó, todos em soluços e choros. O meu pai. Nunca te tinha visto chorar, nunca te tinha visto fraco, de olhos inchados a fumar compulsivamente, o teu pai a teu lado, frio, sem voz, mudo, quieto no momento e para sempre. Família e amigos; despedidas; lágrimas e tu já longe em qualquer parte que não ali,;em qualquer canto que não aquele,;em qualquer corpo que não aquele,frio e mudo, quieto....longe, onde?
A tua última casa. Será que é mesmo a tua última casa? Os meus tios e os meus pais abraçados,não vejo a minha avó... será que o que pomos nesta casa és tu?Não apenas um corpo que se irá decompor; apodrecer; misturar-se na terra e água, esquecer-se de si mesmo?....
Sei o que gostava de te ter dito na nossa despedida se ela tivesse existido, no entanto não to disse e guardo para mim como tu guardavas as tuas palavras como um bem tão precioso. Talvez to diga ainda se um dia nos encontrarmos por ai, quando nos cruzarmos onde quer que estejas, quando ambos formos memórias em alguém que gostou de nós e teima em não querer esquecer os nossos sorrisos

6:24 da tarde  
Blogger Rita said...

O meu avô está em coma e não consigo escrever sobre a tristeza que sinto, mas apreciei muito o que escreveste. Beijinhos.

1:09 da manhã  
Blogger Brazinha said...

Consegues demonstrar akilo k sentes d um modo surreal... Visito imensas vezes o teu blog para ter o prazer de ler e reler o k escreves... Bjs

7:04 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Escreves o teu avô tão bem... um dia lembrarei o meu assim tb... pela escrita, pq lembrar...não é o caso, nunca o esqueci!!!!

6:57 da tarde  
Blogger GNM said...

És muito bonita. Mesmo.

11:17 da tarde  
Blogger Dark-me said...

Deixaste-me sem palavras!!!!
Mto bonito!!!
Jinhos grds

10:25 da manhã  
Blogger Mikael said...

O arrependimento é realmente das piores sensações que se pode ter... Especialmente o arrependimento de não se ter feito algo. Espero que a cada dia esse sofrimento vá-se atenuando (já que desaparecer é impossivel).
Texto tocante...

5:12 da tarde  
Blogger ricardo said...

oi.
gostei do teu blog...para qdo um novo post?
bjoka

4:29 da tarde  
Blogger 13 said...

gosto imenso do que escreves, este é um dos meus preferidos, a maneira como acabas o teu texto tocou-me.

continua com as tuas (bonitas) palavras *

11:59 da tarde  

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